No dia 21 de dezembro de 2024, fez exatamente 15 (quinze) anos que eu e outros 17 (dezessete) colegas magistrados começamos a trabalhar no plantão judiciário relativo ao recesso de 2009/2010; a maioria na capital, outros em Araguaína, conforme divisão estabelecida pela então presidência, na noite de 18 de dezembro de 2009, no prédio de nosso Tribunal de Justiça. Um dia memorável que, por certo, está impresso nos corações de cada um daqueles. Como se costuma dizer – e é verdade: parece que foi ontem!

Éramos nós: Jorge Amâncio de Oliveira, Ana Paula Araújo Toríbio, Marcelo Eliseu Rostirolla, José Eustáquio de Melo Júnior, Keyla Suely Silva, Luatom Bezerra Adelino de Lima, José Roberto Ferreira Ribeiro, Wanessa Lorena Martins de Sousa, João Alberto Mendes Bezerra Júnior, Valdemir Braga de Aquino Mendonça, Frederico Paiva Bandeira de Souza, Vandré Marques e Silva, Odete Batista Dias Almeida, Gisele Pereira Assunção Veronezi, Carlos Roberto de Sousa Dutra, Herisberto e Silva Furtado Caldas, José Carlos Ferreira Machado e Emanuela da Cunha Gomes.

Logo depois da posse, que se deu numa sexta-feira, foi-nos concedido o fim de semana para “recarregar a bateria”, pois já na segunda-feira iríamos para o front. E isso foi interessante, porque muitos aproveitaram para deixar o hotel e procurar algum lugar mais propício para ficar; outros descansaram da longa espera, da viagem e dias anteriores de estresse; alguns, enfim, tiraram esses dois dias (sábado e domingo) para, simplesmente, organizar alguma coisa. Foi bom!

Em seguida, o choque de realidade: começava, efetivamente, a grande jornada. E... “zoommmmm”: estamos aqui – “alive”! Pouco depois do plantão de recesso, participamos efusivamente do “mutirão da meta2-CNJ”, já no ano de 2010. Daí se seguiram as designações, e cada um de nós foi como que “tomando o seu rumo”: Odete e Gisele desceram para Gurupi; outros foram permanecendo em Palmas e, um pouco mais tarde, precisamente em 5 de março de 2010, vieram de tomar posse os colegas Alan Ide Ribeiro da Silva e Rodrigo da Silva Perez Araújo, completando, assim, o G-20, último grupo de nomeados do V Concurso.     

O G-20, chamemos assim, constitui mais de 17% (dezessete por cento) de toda a magistratura estadual de 1ª instância do Tocantins que, somando-se aos demais 17 (dezessete) colegas do V Concurso, alcança (o G-37) quase 1/3 (um terço) dos juízes em atividade. E como pontuado aqui e acolá, se os 42 (quarenta e dois) juízes com tempo de aposentadoria resolvessem, para logo, largar a toga, a fim de, em seu lugar, vestir o pijama, como se diz, os juízes do V Concurso representariam, impressionantemente, cerca de 70% (setenta por cento); sim, isso mesmo: mais de 2/3 (dois terços) de toda a magistratura de primeiro grau de nosso Estado.

Mas o ponto comum (ou um dos) que nos une, se me permitirem dizê-lo, é o fato de que a maioria de nós (se não todos) provínhamos, brasis afora, de outras carreiras, setores e instituições como a advocacia, procuradorias, justiça federal etc. A média de nossas idades ali (e agora, obviamente) é um reflexo disso. Significa dizer que já tínhamos alguma experiência como operadores do Direito, e isso foi importante, quero crer, para que enfrentássemos com mais clareza e ponderação – a controlar a natural ansiedade –, os desafios que estariam por vir, e eles, realmente, vieram... aos montes.

Diz-se que a única dimensão importante no nosso universo (embora os cientistas falem que possa haver até onze delas, a par da teoria dos multiversos) é o tempo, ao menos para os seres humanos. E, com efeito, a referência adrede ao zoommmmm de 15 (quinze) anos mostra que, de fato, isso é verdade. O tempo... tudo é uma questão de tempo!

Ora, Plutão deixara há pouco de ser planeta quando veio o edital do certame (no já longínquo 2007) e – sem contar toda a trajetória de luta e sacrifício pessoal até a posse –, a partir daí até os dias hodiernos vimos muita coisa acontecer, muita água passar por debaixo da ponte: o processo de vitaliciamento; idas e vindas; a solidão das primeiras decisões, umas mais graves (e de maior repercussão) e outras nem tanto, mas todas importantes, a impactar de algum modo a vida das pessoas.

Teve o longo caminho até a titularização (lembremo-nos que um de nós chegou à presidência da ASMETO ainda como juíza substituta); a gestão de fóruns; pressões e algumas ameaças; a ciência de como lidar com servidores, advogados, jurisdicionados, as pessoas em geral (fogueira de vaidades e idiossincrasias, diatribes e suscetibilidades, coisas e causos que demandariam um curso inteiro de psicologia como cadeira específica do Direito, mas que só a prática nos faz compreender).

E eis que se seguiram mudanças e acontecimentos ainda mais desafiadores: a adaptação ao processo eletrônico; a digitalização dos autos físicos; a luta (não cessada) por melhoria do staff; cursos de aperfeiçoamento; mestrado; movimentação na carreira; Nacom; frustrações e injustiças; também sucessos e alegrias; melhoria remuneratória (reconheçamos); eleições etc... a vida na magistratura de cada um de nós: pouco para mais, pouco para menos, mas que nos ajudou a desenvolver-nos, a forjar o que somos hoje.

Assim, se é correto dizer que uma geração corresponda a 1/4 (um quarto) de século, integramo-nos já, bem dizer, à primeira geração de juízes estaduais do Tocantins e, agora, em seus 35 anos de existência (a “senatória”), marco significativo na história do Estado, completamos 15 (quinze) anos de magistratura, e não sem barricadas. Isto é: tudo foi com muito esforço (para chegar e permanecer), luta e, não raro, tribulações; em alguns momentos com sangue, suor e lágrimas!

Penso que provamos o que tínhamos de provar. O couro ficou mais grosso, para usar uma expressão conhecida no meu Estado natal. Não há mais nada a provar. Doa a quem doer, parafraseando Zagallo, o Velho Lobo: vão ter de nos engolir! Mas, agora, o desafio é outro, qual seja: os próximos 15 (quinze) anos, quando a nossa magistratura comemorará bodas de ouro, integralizando 50 (cinquenta anos).

Primeiro (creio eu), às vésperas do Natal e Ano Novo, devemos agradecer a Deus por não estarmos na situação da Ucrânia (só para citar um dos exemplos que demonstram um mundo em ebulição), um país de classe média que almejava entrar para a União Europeia e, hoje, se vê em ruínas com bombas atingindo os quintais das casas de seus concidadãos (inimaginável, mas aconteceu; no século XXI: na nossa geração). O Brasil, com todos os seus problemas (e sua paradoxal grandeza que, segundo John Mearsheimer, o faz ser a 6ª superpotência global que ainda não se tornou, por conta apenas de não ter armas nucleares, mas que reúne qualidades que países como Japão, Alemanha, Reino Unido, França e outros não têm), legou-nos a paz externa.   

E também devemos pedir a Ele que tenha piedade de nós, e nos ajude a dar mais tempo para que consigamos, todos nós, com penitência, reverter os “erros da Rússia” que parecem ter sido “espalhados” (no sentido figurado, tudo indica, os erros seriam de todos nós); senão, estamos (mesmo) próximos do fim da jornada humana na Terra, porque Nosso Senhor teria decidido, enfim, voltar, e isso estaria escrito. Desculpem: não sou muito religioso como meu pai o foi e minha mãe o é, mas é fácil (até para mim) ver que falta penitência. E falta muito; portanto, precisamos fazer a nossa parte. Penitência!     

Por último, mantendo o otimismo (de que a civilização persista ao longo dos próximos anos, porque, pela penitência e obras, Deus nos tenha concedido “mais algum tempo de paz”), é preciso pensar e fazer o futuro. Nesse contexto, nós, a magistratura, somos a “bola da vez”, e posso dizer que já vi de perto esse filme. Como o Allan postou há pouco no grupo da ASMETO, a respeito das palavras do presidente da AMB: trata-se da maior crise já enfrentada pela magistratura brasileira em décadas. Só que, a meu ver, logo se transformará na maior crise da magistratura nacional em todos os tempos.

É que está muito parecido com o “levante” contra as estatais. Muito parecido mesmo. Como disse, somos a bola da vez e, a propósito disso, peço licença para contar uma história. É que me vem à mente um diálogo entre minha mãe e meu falecido pai, no início da década de 1980 (eu ainda era uma criança) sobre um jovem advogado e aspirante a político que fora à sede do Banco do Nordeste tentar convencer meu pai a ensinar perante a Fundação Universidade de Fortaleza – UNIFOR, porque, antes, só havia Faculdade de Direito na Universidade Federal do Ceará – UFC, e queriam que a Fundação –, um legado do maior industrial do Ceará, Edson Queiroz –, vingasse. Estavam, pois, recrutando.

Sucede que meu pai ficou impressionado com esse rapaz, porque ele era jovem demais na época, e sabia que aquele voltara de Roma tendo finalizado um curso patrocinado pelo Banco, argumentando que “se quisessem pisar na cabeça de PHD’s no Ceará” era só vir ao BNB, e por isso ele estava ali a convidá-lo. Meu pai, então, assoberbado com a advocacia do Banco, pois já era cotado para assumir a chefia da Assessoria Jurídica respectiva, retrucou (para se livrar daquele mancebo), dizendo que a especialização que fizera na Itália, primeiro, ele foi obrigado a fazer; segundo, não se concedia o título de PHD; e, terceiro, foi sobre sociedades de economia mista (Direito Administrativo), só que ele lhe pedia para ministrar aulas de Direito Civil.

Mas o jovem insistiu, dizendo que a especialização que ele concluíra seria mais bem cotada na UNIFOR do que qualquer curso (até de doutorado) feito por aí no Brasil inteiro. Meu pai, sem se sentir nenhum pouco lisonjeado (pois queria mesmo era se livrar, como se diz), disse-lhe, então, que praticamente pagaria para dar aulas, porque o salário de professor era muito baixo, ao que o jovem retrucou novamente sobre ali ser a oportunidade de meu pai retribuir ao povo cearense pela erudição que recebera no seminário eclesiástico, o que o catapultou para ser advogado do BNB. Isso, de fato, surpreendeu o velho que, como última bala na agulha, falou: “mas eu nem sei dirigir e a UNIFOR fica muito longe da minha casa”, ao que o jovem, já se retirando, mas agradecendo, respondeu: “se for só por isso, já está resolvido, até porque, professor (já o tratando como se tivesse dado o aceite), o senhor não negaria isso a um filho de Sobral”!

Muitos anos depois, já adulto, tomei conhecimento de que aquele jovem era Ciro Gomes, que saiu dali e pediu à mãe dele –, Dona Maria José, que fora professora de minha mãe, em Sobral (e a tinha como aluna predileta) –, para dar um jeito de convencer o marido de que ele tinha obrigação de ensinar na UNIFOR, e assim foi que a Dona Maria José (hoje, falecida, e a quem meu pai tinha muito apreço, por ela ser também, segundo ele, prima de Monteiro Lobato, daí a “verve” de Ciro Gomes, consoante explicava) se dirigiu até a casa da amiga, irmã mais velha de minha mãe (a tia Astrogilda) e lhe pediu que convencesse minha mãe, porque ela também iria ligar e não queria receber um não. E, enfim, a partir de então, minha mãe passou longos anos deixando e buscando meu pai na UNIFOR (até que ele, finalmente, aprendesse a dirigir), Universidade onde ele viria a ensinar Direito por longos 30 (trinta) anos.

Conto essa história pitoresca apenas para dizer que eu só vim “ligar os pontos” da discussão que meu pai tivera com a minha mãe lá atrás (ela o convencendo a ensinar na UNIFOR, quando eu ainda era uma criança) num raro momento em que meu pai vociferava sobre o fato de que ou o Ciro o enganara naqueles dias ou estava sendo enganado atualmente (isso já na era FHC, onde eu já passara dos vinte e poucos anos), na medida em que as privatizações que estavam acontecendo (e o Ciro Gomes estava junto com o Tasso Jereissati no PSDB, apoiando, aparentemente, as políticas do presidente Fernando Henrique) se davam de forma quase criminosa (rapidamente e a preço de banana), muito diferente do Reino Unido de Margaret Thatcher, de maneira que ali havia um “covil de canalhas e uns poucos imbecis inocentes úteis” (e nessa última classe ele julgava que estivessem o Tasso e o Ciro), sendo que ele queria, no momento, encontrar-se com aquele “fedelho irritante” para lhe explicar que Ciro faria corar (com o modelo de privatizações escolhido) Jonh Locke e Stuart Mill, se estes se levantassem dos túmulos e aparecessem no Brasil de então, e com muita raiva (meu pai era meio “pavio curto” mesmo), praguejava: “bando de patifes, de um lado, e burros, do outro”!

O fato é que, “revisitando” agora aqueles dias, e cotejando com o que hoje se vivencia não só na magistratura como também nas outras chamadas “carreiras típicas de Estado”, por alguma razão que a gente desconfia qual seja, mas que precisa ser bem estudada (para não ser leviano), o dito mercado, em associação com o grosso da classe política, quer-nos ver de joelhos. E, se assim o for, eles vão conseguir mais cedo ou mais tarde, como fizeram no caso das privatizações, onde não pouparam empresas paradigmáticas como a Vale do Rio Doce (vendida por um quarto do preço dos direitos televisivos da NBA do ano em que a adquiriram – isso foi amplamente divulgado e manchete nos jornais; na época, eu mesmo li).

E, hoje, toda aquela estrutura continuada ou pensada por (e na época de) Getúlio Vargas, que fez com que o nosso país tivesse o maior crescimento econômico de todo o Mundo Ocidental em 50 (cinquenta) anos (de 1930 a 1980) se esvaiu por entre os nossos dedos como lágrimas na chuva. Homens ligados a empresas genuinamente brasileiras e que nos enchiam de orgulho (todas elas sociedades de economia mista – por que será, hein?!) como Ozires Silva (EMBRAER); Eliezer Batista (VALE DO RIO DOCE); Mário Brant, Sebastião Paes de Almeida, Calmon de Sá e Camilo Calazans (BANCO DO BRASIL); Horácio Láfer (BNB); Juracy Magalhães, Francisco Mangabeira e Hélio Beltrão (PETROBRAS) –, só para citar alguns exemplos que ouvia da boca de meu velho e bom pai (sendo, entre esses, os mais comentados durante aquela década: Ozires Silva, Eliezer Batista, Camilo Calazans e Hélio Beltrão) –, simplesmente, não existem mais, e nunca, jamais foram substituídos à altura.

Do mesmo modo, quem se formava em Direito depois de meados da década de 1960 e não preenchia os requisitos necessários para lograr aprovação nos concursos do BNB e do BB iriam fazer carreira como juízes, promotores, procuradores etc. Era assim à época, e aquelas gerações contribuíram para construir um grande país. Contudo, em pouquíssimo tempo, tudo isso foi “destruído”, e o tal celeiro de “PHD’s” de que Ciro Gomes falara foi-se para o ralo.

Ocorre que, com os concursos públicos, depois da Constituição de 1988, houve uma espécie de “renascimento” (que não dá para comparar com aquele pessoal que veio dos seminários, é verdade, mas já foi um grande alento), onde os tribunais, procuradorias de justiça etc. passaram a “captar os melhores”, digamos assim. Só que isso entrou no radar (do mercado/classe política) e, agora, é certo, vão querer nos destruir. Conseguirão? Resistiremos?! É para responder a essas perguntas, e agir com altivez, inteligência e assertividade, doravante, ou seja, visando aos próximos 15 (quinze) anos, que devemos nos unir, preparar e organizar a contento.

Em outras palavras: manteremos a EFETIVA estabilidade que, finalmente, parece termos conquistado ao longo desses últimos 15 (quinze) anos, ou nos 15 (quinze) vindouros perderemos, paulatinamente, tudo o que parece ter sido alcançado? Enfim, devemos nos preparar para o pior, mas sempre lutando para que, por exemplo, essa novel Inteligência Artificial venha para nos ajudar a ter mais tempo para cada vez mais nos aperfeiçoarmos etc. É preciso mostrar para a sociedade que somos necessários e capazes. Precisamos nos unir, nos ajudar, ter criatividade, porque a guerra começou: somos a bola da vez; somos o alvo!

Caríssimos, desculpem o longo texto e o tom de desabafo, mas saiu assim e me sinto mais leve agora neste fechamento de ano. Despeço-me, por derradeiro, parabenizando aos colegas do G-20, extensivo aos demais do V Concurso e a toda a magistratura de primeiro grau e desembargadores. E por que mencionei Edson Queiroz anteriormente, faço votos também, de coração, de que tenhamos um feliz natal e abençoado 2025, o que pode ser traduzido, atemporalmente, por meio da frase mais conhecida do grande industrial: “se algum dia você for surpreendido pela injustiça ou ingratidão, não deixe de crer na vida, de engrandecê-la pela decência e construí-la pelo trabalho”!

Fraternal abraço!            

João Alberto Jr.